Em “Os Escravos de Jó”, Rosemberg Cariry discute a construção identitária da juventude
Longa-metragem cearense abrirá a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes durante homenagem ao ator Antônio Pitanga
Décimo segundo longa-metragem dirigido pelo cineasta cearense Rosemberg Cariry, “Os Escravos de Jó” será exibido, em première mundial, na abertura da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, no dia 24 de janeiro. Na ocasião, diretor e equipe se reúnem para celebrar o ator baiano Antônio Pitanga, que será homenageado pelo festival ao lado de sua filha Camila Pitanga. O drama é produzido por Bárbara Cariry e se passa na cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais.
Na trama, Samuel é um jovem, filho de pais adotivos (desconhece suas origens), que estuda Cinema e conhece Yasmina, uma imigrante palestina. Os dois se apaixonam e precisam enfrentar as dificuldades que surgem por conta de suas histórias e perspectivas de vida. Samuel divide-se entre heranças conservadoras e visões libertárias, que lhe são repassadas por dois velhos etnicamente diferentes e com distintas orientações ideológicas. Kamal Fazaa, irmão de Yasmina, é rebelde e defende a intifada. Já Yasmina é pacifista, milita pelos direitos e autonomia do povo palestino. O enredo também explora as ruas e as pessoas de Ouro Preto, de origens e discursos diversos.
“Os Escravos de Jó” faz referência à narrativa bíblica de Jó e da luta por ele travada para manter a sua humanidade entre as duras e violentas provações impostas por Satanás em uma disputa com Deus. A fábula bíblica de Jó tem sido, por vezes, considerada uma das mais assombrosas representações do absurdo da miséria humana, no âmbito da tradição judaico-cristã. O roteiro também faz alusão a Édipo, outro mito fundamental para a compreensão da crise civilizatória contemporânea, sobre o homem que, em vez de resolver o conflito da dualidade posto pela tragédia da história, deixa-se levar por forças destrutivas e obscuras. Édipo modernizou-se e tornou-se habitante do mundo contemporâneo.
“A tragédia do jovem Samuel aproxima-se da tragédia de Édipo e pode ser compreendida como uma alegoria prefigurada da sociedade contemporânea que, sem decifrar as heranças do passado, transforma a vida e o amor em atordoantes simulacros. ‘Os Escravos de Jó’ é uma tragédia em um mundo circunstanciado por dominações econômicas e ideológicas, onde afloram os estigmas racistas e os sectarismos e, cada vez mais, os fanatismos de diversas vertentes, em construções identitárias fundamentalistas e intransigentes, onde a realização do amor e mesmo a alteridade torna-se quase impossível”, conta o diretor Rosemberg Cariry.
A produção de “Os Escravos de Jó” explora a arquitetura barroca e as belas igrejas de Ouro Preto, tesouros do patrimônio artístico brasileiro e universal, além de revelar o envolvimento transbarroco da cidade, que mescla a herança colonial com a contemporaneidade, tendo, além do grande fluxo turístico, uma efervescente vida estudantil. “Fazer render os recursos para um filme de baixo orçamento foi o primeiro desafio. Lutamos para que o filme mostrasse um valor de produção bem maior. Além do empenho do elenco e da equipe técnica, a cidade e as paisagens nos ajudaram como cenários ideais, bem como a boa colaboração das instituições e da população local. Filmar em Ouro Preto é sempre um privilégio, tínhamos a sensação de estar dentro de uma obra de arte, buscando a realização de outra obra de arte, percepção que se consolidou com a fotografia sensível de Petrus Cariry”, diz a produtora Bárbara Cariry.
Elenco e personagens
O ator Antônio Pitanga interpreta o livreiro Jérèmie Valés, um velho que viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial, mas que manteve viva a esperança e a chama da poesia. Para o diretor, é um privilégio que “Os Escravos de Jó” participe da homenagem a Antônio Pitanga, que tanto colaborou para o cinema e para o teatro brasileiro no decorrer dos anos, em um festival de grande importância para a produção audiovisual como o de Tiradentes. “Um ator por quem sempre tive uma grande admiração. Pitanga, para mim, tem uma aura mítica e representa e simboliza o melhor do nosso cinema e do nosso povo. Grande Pitanga”, afirma Rosemberg Cariry.
Além de Antônio Pitanga, Rosemberg Cariry trabalha com um elenco formado por novos e antigos colaboradores. Repetem a parceria com o diretor os atores Everaldo Pontes (“Notícias do Fim do Mundo”), como o velho Elifas Lévi, e Silvia Buarque (“Os Pobres Diabos”), como a professora Catarina. Entre as novidades estão Daniel Passi, no papel de Samuel; a atriz portuguesa Daniela Jesus, como Yasmina; Rocco Pitanga, como o estudante Antonio, amigo de Samuel e amante da arte e da filosofia; a atriz Romi Soares, também portuguesa, no papel de Hélène, uma francesa idosa cujo passado esconde segredos; o ator sírio Hadi Bakkour, no papel de Kamal, e a atriz mineira Bruna Chiaradia, que interpreta Joana, entre outros nomes de Ouro Preto e Minas Gerais.
Ouro Preto como cenário
A cidade de Ouro Preto, marcada por figuração barroca, serve como cenário para a história dos dois estudantes, que se encontram em igrejas, casarões e ruas, entre imagens de santos e anjos. Nas aulas, os personagens discutem o conceito de transbarroco como categoria transhistórica, adquirindo um sentido identitário possível em sociedades originárias de processos de expansão colonial europeia, na modernidade, a partir de códigos artísticos e representações culturais e estéticas formados em conjunção híbrida e confronto cultural gerador de inúmeras ambivalências e contradições.
O olhar transbarroco também foi explorado no filme anterior de Cariry, “Notícias do Fim do Mundo”, exibido no Festival Cine Ceará 2019. “Temos o transbarroco como um espírito de busca e de inquietação, sempre aberto para novas percepções e experimentações, guardando as características fundadoras: o conflito, o dilema, a contradição e a dúvida. A promessa do eterno que não esconde a efemeridade de todas as coisas, entre fracassos e renascimentos. A forma como uma busca incessante de um sentido de um mundo em tudo absurdo, percebido através de incontáveis movimentos e dobras. O Brasil é transbarroco, em sua renda de ternura mais delicada e no aço retorcido do chicote escravocrata – sangue e dor da violência mais extremada”, finaliza Rosemberg Cariry.
SINOPSE OFICIAL
Os estudantes Samuel e Yasmina se apaixonam, na cidade de Ouro Preto. No entanto, eles têm que vencer muitas dificuldades e preconceitos para afirmarem o seu amor. Personagens do passado e do presente cruzam os caminhos dos dois jovens, arrastando-os para um inesperado destino.
FICHA TÉCNICA
Título: Os Escravos de Jó (2020)
Direção e roteiro: Rosemberg Cariry
Formato: Longa-metragem – Ficção – Colorido – Digital
Duração: 96 minutos
País: Brasil
Som: Dolby Digital
Elenco: Daniel Passi, Daniela Jesus, Antônio Pitanga, Romi Soares, Silvia Buarque, Everaldo Pontes, Bruna Chiaradia, Hadi Bakkour e Rocco Pitanga.
Produção executiva: Bárbara Cariry
Trilha sonora: Alfredo Barros
Direção de fotografia: Petrus Cariry
Direção de arte: Sérgio Silveira
Montagem: Rosemberg Cariry e Petrus Cariry
Figurino: Carol Breviglieri
Som direto: Toninho Muricy
Mixagem e edição de som: Erico Paiva (Sapão)
Direção de produção: Teta Maia
Maquiadora: Cláudia Riston
Produtora: Cariri Filmes
SOBRE ROSEMBERG CARIRY
Rosemberg Cariry é escritor e cineasta, criador de diversos longas-metragens, seriados e programas para televisão, com vários prêmios. Teve mostras retrospectivas nacionais e internacionais da sua obra. Tem vários livros de ensaios, contos e poemas publicados. Filósofo de formação e doutorando em Belas Artes na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto – Portugal. “Os Escravos de Jó” é o seu 12º longa-metragem. Ano passado, Rosemberg Cariry também lançou em festivais o longa “Notícias do Fim do Mundo”, ainda inédito em circuito comercial.
FILMOGRAFIA (LONGAS-METRAGENS)
Os Escravos de Jó – ficção (2020); Notícias do Fim do Mundo – ficção (2019); Os Pobres Diabos – ficção (2013); Cego Aderaldo – O Cantador e o Mito – documentário (2012); Siri-Ará –ficção (2008); Patativa do Assaré, Ave Poesia – documentário (2007); Cine Tapuia – ficção (2006); Lua Cambará – Nas Escadarias do Palácio – ficção (2002); Juazeiro – A Nova Jerusalém – documentário (1999); Corisco e Dadá ficção (1996); A Saga do Guerreiro Alumioso – ficção (1993); O Caldeirão do Santa Cruz do Deserto – documentário (1986).
SERVIÇO:
Exibição de “Os Escravos de Jó” na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Dia 24 de janeiro, às 21h, no Cine-Tenda
Entrada gratuita.